A Angústia
- Paulo Russo
- 2 de nov. de 2020
- 4 min de leitura
A grande maioria das queixas que levam as pessoas a procurarem análise se refere a episódios de angústia e ansiedade, e que na maioria das vezes parece não estar claro a estas pessoas a diferença entre elas. Ouvimos muitos relatos de sintomas como palpitação de coração, alguma tremedeira, um certo medo (as vezes pânico), um impulso enorme de fazer algo e não se sabe o quê (causando muita culpa), e aquele tal vazio terrível, parecendo uma tristeza enorme.
Tais sintomas foram transformados, através da psiquiatria, nos famosos códigos DSM (Diagnostic and Statistical Manual) ou CID (Classificação Internacional de Doenças) para os transtornos mentais.
Segundo estas metodologias, sintomas são agrupados de maneira a fornecer um diagnóstico e facilitar o tratamento de tais transtornos.
A lista é grande: Ansiedade, Depressão, Esquizofrenia, Transtornos alimentares, Estresse pós traumático, Somatização, Transtorno bipolar, Transtorno obsessivo-compulsivo, e por ai vai, e junto com o diagnóstico, claro, uma explicação “científica” da “doença” e uma receita com os medicamentos para o tratamento. Não quero aqui dizer que em alguns casos tais medicamentos não sejam necessários, mas o que vemos atualmente é uma atuação fortíssima da indústria farmacêutica na classificação de sintomas mentais com o intuito de fornecer um nome para este transtorno, e desta forma vender um remédio para seu alívio com a promessa de um retorno a sua vida dita “normal”, controlada agora através de medicamentos. É o discurso capitalista governando o sujeito e suas questões.
A psicanálise não vê as coisas desta maneira (apesar de não negar a necessidade de alguma intervenção psiquiátrica / medicamentosa em alguns casos), e se posiciona no discurso analítico, conforme descrito por Lacan em sua teoria dos discursos, onde todo o saber das questões do indivíduo (sintomas, dores, sofrimentos, etc.) pertence a ele, e somente ele poderá decifrá-lo e compreendê-lo através do processo analítico, trazendo a cena seu inconsciente através do processo de transferência com o analista. É o sujeito do saber inconsciente.
São tantas as questões que norteiam nossa história; nosso relacionamento com nossos pais e familiares, traumas, fatos obscuros e insuportáveis, que por um mecanismo de defesa do nosso sistema psíquico foram recalcados, e por consequência “esquecidos” no nosso inconsciente.
Acontece que esse recalque aparentemente esquecido retorna em diversas situações de nosso cotidiano, sob a forma de sintomas. É o que chamamos em psicanálise do retorno do recalcado, e são justamente estes processos inconscientes, o objeto de uma análise.
Ansiedades em geral são sinais de algo próximo, bom ou ruim, perfeitamente natural em situações reais de nossa vida, porém quando não há este real, estamos falando de algo sentido como ameaçador, vindo provavelmente de alguma situação vivida cuja associação trouxe à tona algum fato inconsciente perturbador, que nosso aparelho psíquico precisou rechaçar como forma de defesa, e daí nasce um conflito doloroso, nosso sintoma.
A psicanálise não fala em ansiedade, mas em angústia, é ela que traz todo o sofrimento psíquico relatado pelas pessoas e vai muito além da ansiedade, ela é existencial, presente desde sempre em nossa vida.
A angústia existencial diz respeito às questões filosóficas da dor de existir, da morte, das perdas, do envelhecimento, da finitude.
A angústia que de fato se torna objeto de análise é a chamada angústia neurótica, aquele afeto relatado nas diversas formas de medo, pânico, ansiedades, sintomas no corpo, pesadelos, e assim por diante.
A angústia é um sinal de perigo, uma forma de medo generalizado. Diz Lacan: “O que provoca a angústia é tudo aquilo que nos anuncia, que nos permite entrever que voltaremos ao colo” (2005, p. 64).
Freud disse que a angústia é um sinal de perigo diante de uma situação de perda, de uma separação, porém Lacan inverteu esta lógica propondo a angústia não como um medo de uma perda, mas porque a perda não ocorreu, a separação não aconteceu. Pensemos no medo da criança na perda dos pais, principalmente da mãe. A questão central aqui é a ausência dos pais, e principalmente a falta desta ausência, ou o excesso de presença dos pais não havendo espaço para a elaboração desta falta por parte da criança, ou seja, a “falta da falta”, a mãe sempre atendendo as demandas da criança, a falta precisa ser simbolizada para ser elaborada.
“A criança fica perturbada ao máximo quando não há possibilidade de falta, quando a mãe está o tempo todo nas costas dela, especialmente a lhe limpar a bunda, modelo da demanda, da demanda que não pode falhar” (Lacan, 2005, p. 64).
A cura em psicanálise passa pela travessia da chamada fantasia fundamental, que é o nosso desejo do desejo do Outro, esse outro enigmático que nos causa angústia justamente por não sabermos nada de seu desejo, e ao mesmo tempo querermos atender sua demanda para sermos amados, desejados. Fazer esta travessia, suportando esta angústia, e nos transformando em seres desejantes é o que chamamos de fim do processo analítico. Deixar de ser objeto do gozo do Outro e passarmos a ser sujeitos ativos em nossos desejos, suportando a angústia da travessia, é o remédio proposto pela psicanálise.
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